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Artigo – Adjudicação compulsória extrajudicial precisa de novas ferramentas
19 DE FEVEREIRO DE 2024
O texto original da medida provisória, convertida na Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, no trecho que instituiu a adjudicação compulsória extrajudicial previa a dispensa da apresentação de certidão negativas de débitos fiscal do promitente vendedor para viabilizar o deferimento da adjudicação.
Este trecho foi vetado pela Presidência da República [1], o que gerou dúvida. A ausência de regra expressa que previa a dispensa de certidões negativas de débitos fiscais implicava em sua obrigatoriedade [2]?
É relevante mencionar que, nos procedimentos judiciais de adjudicação compulsória, a jurisprudência há certo tempo afastava tal exigência, [3] e as normas extrajudiciais da corregedoria de justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo já concedia aos tabeliães de notas em certas situações dispensar certidão conjunta negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União [4].
Os defensores de apenas permitir sua dispensa na esfera judicial argumentam que sua dispensa na via extrajudicial daria azo a situações fraudulentas, em que o vendedor que não dispõe de CND deixaria de celebrar a escritura definitiva apenas para se dispensar de apresentar a certidão.
Este argumento, porém, milita contra a presunção geral de boa-fé e ainda presume que o juiz detém poderes de clarividência, como se ele pudesse fazer tal tipo de verificação [5], quando o procedimento é judicial.
A dúvida, porém, foi dirimida já que no final do ano passado, em sessão de 22 de dezembro de 2023, o Congresso derrubou este veto, com o retorno do §2º ao artigo 216-B da lei de registros públicos, que assim dispõe:
A derrubada de tal veto pelo Congresso foi muito positiva para trazer coerência e unicidade ao ordenamento jurídico, com tratamento único seja a adjudicação judicial ou extrajudicial.
É de se destacar que grande parte dos casos em que a adjudicação compulsória é adequada se refere a empresas que prometeram a venda de imóveis e estão inativas, falidas, inoperantes e, portanto, que têm débitos fiscais.
Exigir a exibição da CND importaria em lesar o promitente comprador de seu lídimo direito à propriedade e levaria os interessados a buscarem seus direitos através de ação de usucapião, modo originário de aquisição da propriedade, em que inexiste tal requisito.
Evidente que ao “fechar uma porta” [via da adjudicação] para os casos em que os promissários vendedores não estão em dia com o pagamento dos tributos, restaria aos compromissários compradores se utilizar do outro caminho para obter a transferência da propriedade [usucapião].
Em resumo, aumentariam os ônus para os promissários compradores de imóveis obterem o direito de propriedade, sem efetivo benefício de aumento da arrecadação de tributos [6].
Feitas essas considerações, e tendo como base a nova realidade normativa necessária verificar que por coerência sistêmica não se poderá continuar a exigir a comprovação de regularidade fiscal do alienante para celebração da escritura de compra e venda ou permuta.
Assim e apesar de a revogação não ter sido expressa, entendemos que o §2º do artigo 216-B da Lei de Registros Públicos revogou a regra contida na alínea b do inciso I do artigo 47 da Lei 8.212/1991), que exige certidão negativa de débito (CND) da empresa no caso de alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo.
Promitentes vendedores — pessoas jurídicas extintas ou pessoa física falecida
Outro ponto relevante em relação à adjudicação extrajudicial foi a edição pelo CNJ do Provimento nº 150 de 11/09/2023, com o objetivo de regulamentar nacionalmente os procedimentos relativos à adjudicação compulsória extrajudicial.
As regras contidas no provimento são em geral muito razoáveis e assertivas, dentre iremos abordar as que se aplicam a duas situações muito corriqueiras. Tratamos das hipóteses de imóveis prometidos à venda, quitados e que não foram transferidos definitivamente, tendo como promitentes vendedoras empresas já extintas ou pessoas físicas falecidas.
De acordo com o provimento, se o requerido for pessoa jurídica extinta, o oficial de registro de imóveis enviará a notificação ao liquidante ou ao último administrador conhecido, e sendo desconhecidos o liquidante ou o último administrador, ou se estiverem em lugar incerto ou desconhecido, a notificação será feita por edital.
Tal procedimento é bastante coerente, já que nem sempre existe a figura do liquidante, sendo a alternativa de se notificar o último administrador elogiável. Não são raros os casos de empresas que foram extintas por ato voluntário dos sócios — distrato averbado na junta comercial — e que na ocasião não havia haveres a serem partilhados em favor dos sócios ou débitos a serem quitados. E não tendo necessidade da fase de liquidação, não foi nomeado um liquidante.
Caso desconhecidos o liquidante ou o último administrador, ou se estiverem em lugar incerto ou desconhecido, o provimento determina que a notificação será feita por edital.
A dúvida que pode existir é na situação do último administrador ou do liquidante serem conhecidos, mas falecidos. Em tal situação, entendemos que por analogia se aplica a regra da notificação por edital.
Notificação de herdeiros
A outra situação tratada pelo provimento é a do promitente vendedor ser pessoa física falecida. Neste caso, se determina que deverão ser notificados aos seus herdeiros, contanto que estejam comprovados a qualidade destes, o óbito e a inexistência de inventário judicial ou extrajudicial. No caso de ter sido aberto inventário, bastará a notificação do inventariante.
Na prática, tendo sido realizado o pagamento do imóvel em sua integralidade antes da morte ou declaração de ausência, muitas vezes o falecido já tinha declarado em seu imposto de renda a venda do imóvel e sequer o relacionava em seus bens e direitos.
Por este motivo é comum que os herdeiros desconheçam a existência deste imóvel. Ou se sabem de sua existência, em razão de o falecido ter vendido, recebido a integralidade do preço em vida e transferido a posse, consideram que não integrava mais o patrimônio do espólio.
É verdade que a transferência do bem imóvel apenas se formaliza com o registro do título translativo perante a matrícula imobiliária. Porém, na prática, quando o bem alienado era o único bem em nome do falecido, os herdeiros não abrem inventário. E sem sua abertura, será muito difícil ao promissário comprador ter conhecimento dos seus herdeiros legais para notificá-los.
Nestes casos, o promissário comprador, provavelmente, recorrerá ao procedimento judicial, já que os juízes dispõem de ferramentas de pesquisa sofisticadas [Infojud, Bacenjud, etc] e de poder para obter informações, o que viabilizará a obtenção dos dados dos herdeiros.
Assim, seria apropriado disponibilizar ferramentas semelhantes aos oficiais de registro de imóveis, de modo que possam identificar herdeiros para que se possa dar andamento à adjudicação compulsória extrajudicialmente. Sem dotá-los de tais ferramentas, a desjudicialização pretendida ficará limitada.
[1] BRASIL, Presidência da República do Brasil, mensagem nº 329, de 27 de junho de 2022: disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/Msg/Vep/VEP-329-22.htm. Acesso 26.jan.2024.
[2] SANCHEZ, Rodrigo Elian. Adjudicação compulsória extrajudicial: dúvidas em relação ao novo procedimento. In: CONJUR, 04.10.2022. Disponível em: www.conjur.com.br/2022-out-04/rodrigo-elian-sanchez-adjudicacao-compulsoria-extrajudicial. Acesso 26.jan.2024.
[3] TJSP, Apelação Cível n° 9000003-22.2009.8.26.0441, relator desembargador José Renato Nalini, DJ: 05/03/2013).
[4] No estado de São Paulo, a Corregedoria Geral de Justiça inseriu o item 60.2, no Capítulo XVI, das Normas de Serviço do Extrajudicial: “60.2. Nada obstante o previsto nos artigos 47, I, b, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e no artigo 257, I, b, do Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, e no artigo 1º do Decreto nº 6.106, de 30 de abril de 2007, faculta-se aos Tabeliães de Notas, por ocasião da qualificação notarial, dispensar, nas situações tratadas nos dispositivos legais aludidos, a exibição das certidões negativas de débitos emitidas pelo INSS e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e da certidão conjunta negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, tendo em vista os precedentes do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido de inexistir justificativa razoável para condicionar o registro de títulos à prévia comprovação da quitação de créditos tributários.”
[5] Em sentido contrário: TALAMINI, Eduardo. Adjudicação compulsória extrajudicial: pressupostos, natureza e limites. Revista de Processo, vol. 336, p. 319 – 339, 2023.
[6] A manutenção da exigência da CND fiscal do promissário vendedor, para deferir a adjudicação compulsória, para além de ter efeitos deletérios se analisada pela teoria econômica do direito, não corresponde à interesse público primário [verdadeiro interesse a que se destina a Administração Pública] com benefícios à coletividade e que possui supremacia sobre o particular, mas a interesse público secundário, que visa tão somente o interesse patrimonial do Estado.
Fonte: ConJur
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